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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Tudo Passa?



Meu amor de infância tinha o cabelo cortado em forma de cuia, inevitavelmente todas as vezes que olho para algum garotinho assim, mil recordações acometem minha mente e coração.

Minha avó cantava uma canção comigo, aos domi...ngos. Eu fechava os olhos e guardava no infinito da minha memória o cheiro daquele perfume antigo – “água de rosas”- era o cheirinho da vovó. Ainda hoje, se eu fechar os olhos e cantar a mesma canção, consigo sentir o cheiro de água de rosas.

Meu pai me ensinou a andar de bicicleta. Foram necessários sete dias para que eu aprendesse. Ele entortava a rodinha da bicicleta alguns centímetros para a vertical, todos os dias, até que no sétimo dia as rodinhas estavam formando um ângulo de 180°, intocáveis ao chão. Nunca caí tentando aprender a andar de bicicleta. Inevitavelmente, bicicletas só me lembram meu pai.

Desde criança, todas as vezes que cumprimento e abraço o meu avô, sinto o cheirinho aguardente de cachaça. Pinga é muito mais que uma bebida pra mim, é um dos cheiros da minha infância, é a tradução de um retrato: meu avô sentado na varanda da minha casa, segurando num copo, sua felicidade das manhãs de domingo.

Durante anos fiz aulas de natação, era o momento em que eu submergia na água todas as minhas preocupações e aflições. Naturalmente, o cheiro do cloro é algo que me acalma.

Há sensações, momentos e pessoas que ficam guardadas no baú de um infinito particular. O tempo pode galgar pelos anos da nossa vida, mas nunca transpor essas memórias.

Nem tudo passa. Sensações, momentos e pessoas que não despertaram em nós valimento, passam. São transportados para o esquecimento. Mas aquilo que cravar na alma as garras da relevância, nunca passará. Será convertido em quinhão da memória.

E então, sempre, algo nos trará recordações. Não há necessidade de tentar abster-se da anamnese, é inútil esse ensaio.

E isso não é ruim, não é ruim recordar. Sempre terá algo que será parcela emocional da nossa vida. Por que seria ruim retirar do baú das memórias essas parcelas de cheiros e sensações.

A verdade é que cada pessoa é um infinito, lá dentro cabe todas as coisas. Há espaço suficiente para escrever inúmeros racontos, sentir e vivenciar incontáveis sensações, situações. Algumas delas, nunca irão passar.

É necessário conviver com as lembranças e respeitá-las, entender que cada uma delas ficarão retidas nos anos da sua vida, são parte de você. Afinal, espera-se a chegada de um dia, um dia, quando arrastaremos o peso do corpo ao caminhar, quando o paladar e os demais sentidos faltarão, quando as células do corpo começarão a morrer em maior quantidade e mais rápido, quando suas experiências e opiniões serão cediças, quando nem a juventude, nem o vigor existirão e somente a memória irá traduzir tudo o que você foi.

Texto por: Juliane Pereira Ramos.

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